Nas lutas dos trabalhadores durante a ditadura, diversas formas de luta e resistência foram sendo criadas para esse enfrentamento. O ano de 1968 foi marcado como o mais ativo da resistência, e de forma equivalente e brutal, o mais duro dos chamados ‘anos de chumbo’. Naquele ano, trabalhadores de todos os segmentos, em especial os metalúrgicos, e particularmente, os das grandes fábricas de Osasco, decidiram realizar um ato de protesto durante as comemorações do Dia do Trabalho, 1º de Maio, quando o governo biônico (nomeado pela ditadura, sem eleições) de Roberto de Abreu Sodré iria realizar uma ‘festa do trabalhador’ em, frente às escadarias da catedral, na Praça da Sé, no centro da cidade de São Paulo.
Segundo o historiador Taylan Santana Santos, em artigo publicado no periódico “Espaço Socialista”, em 2018, para as comemorações do 1º de maio, “a ditadura havia programado os seus festejos cujos objetivos eram promover a dispersão do movimento operário e ludibriar as massas trabalhadoras através de solenidades que celebravam um crescimento econômico que beneficiava apenas a burguesia, em detrimento da classe trabalhadora, principal alvo do arrocho salarial, da exploração do trabalho capitalista e da repressão militar. Todavia, à revelia dos pelegos interventores nas direções sindicais e da ditadura, o movimento operário deflagrou uma ação direta que uniu as oposições sindicais e o movimento estudantil”.
Ocupação e queima do palanque da ditadura
E veio o 1º de Maio de 1968, que marcou a história de Osasco, de São Paulo e do país. Decididos a repudiar a festa que a ditadura e o governador nomeado haviam preparado em conjunto com os sindicatos controlado pelos patrões, os estudantes e trabalhadores de São Paulo e da região metropolitana, mas especialmente os de Osasco, realizaram uma ação de sabotagem da festa preparada pela ditadura na Praça da Sé.
O sindicato de Osasco já tinha participado ativamente do boicote ao evento oficial. Em primeiro lugar, trabalhou a unidade das oposições sindicais para um ato unificado. Em segundo, preparou um ato de sabotagem, com a esquerda e seus aliados, desde a logística de mapeamento da Praça da Sé, seus lugares de entrada e saída, trabalho feito pelo grupo de Osasco, e a criação de um corpo de autodefesa, com trabalhadores munidos de 60 barras de ferro disfarçadas por embrulhos de jornal.
A chegada do grupo de Osasco à Praça da Sé com essa forma mais agressiva de ação foi decisiva para romper o cordão de isolamento preparado pela polícia e assessoria do governador. A tomada e a queima do palanque foram ações combinadas com os estudantes de São Paulo.
Escondidos entre os trabalhadores presentes ao evento, o grupo de Osasco, acompanhado por outros membros da Oposição Sindical de São Paulo, iniciaram um tumulto em frente ao palanque, quando o governador já estava no local. Abreu Sodré, seus assessores, os sindicalistas pelegos e até a polícia foram todos expulsos do local, sob vaias, pedradas e empurra-empurra. Uma pedra acertou o governador, que saiu do local com a cabeça sangrando, fato noticiado por toda a imprensa de São Paulo na época.
A ação decisiva de Zequinha Barreto e de seu companheiro Neto garantiu a evacuação dos apoiadores da ditadura, e o uso da palavra no que restou do palanque. Zequinha chegou a discursar, juntamente com outros companheiros, exigindo o fim da ditadura, apoio às demandas dos trabalhadores, apoio à revolução cubana, o fim do arrocho salarial, e apoio à greve de Contagem, em Minas Gerais.
Em seguida, após a destruição completa do palanque, atearam fogo no que sobrou, e todos seguiram em passeata, aproximadamente 1.500 trabalhadores e estudantes em marcha, rumo à Praça da República, a cerca de dois quilômetros da Sé. No caminho, gritavam palavras de ordem, como “Abaixo a Ditadura” e outras expressões contra o regime militar e chamando à resistência popular. No caminho, várias fachadas de Bancos e empresas estrangeiras foram destruídas a pedradas.
Discurso pela resistência através da luta armada
Ao chegar na República, o grupo ouviu vários discursos. O mais inflamado foi Zequinha Barreto, que provavelmente, segundo relatos de seus companheiros, pela primeira vez no Brasil naquele período, em público, conclamou os estudantes e trabalhadores a enfrentarem a ditadura por meio da luta armada.
Naquela época, Zequinha Barreto já tinha uma vida dupla, exercendo várias atividades na clandestinidade, como a preparação da grande greve de Osasco, que ocorreria dois meses depois. Segundo um de seus companheiros mais próximos, Jesse Navarro (Zequinha viria a usar na clandestinidade o nome de ‘Jesse’, em sua homenagem), uma vez, ao discutir com Zequinha, que preferia a agitação e a ação direta, sem se submeter a um partido ou a uma direção, Zequinha defendeu a luta armada como justa autodefesa do povo: “Nós temos é que partir para a luta armada. A justa violência do oprimido contra a violência do opressor”, teria afirmado Barreto, frase que era um jargão da esquerda revolucionária à época.
Zequinha Barreto: Combativo sempre
Já em 1965, Zequinha Barreto iniciou contatos com os movimentos operário e estudantil de Osasco, que eram muito avançados para a época. Apesar da recém instalada ditadura militar, os jovens operários e estudantes de Osasco viviam em plena efervescência política. Em 1966, já trabalhando como operário na cidade, Zequinha foi um dos fundadores do CEO (Círculo Estudantil de Osasco) e chegou à sua primeira presidência, além de participar de um grupo de teatro amador. Ele rapidamente se tornara um símbolo da aliança operária-estudantil, que seria decisiva nas ações públicas de resistência que ocorreriam entre 1965 e 1968, e na clandestinidade e na luta armada, entre 1969 e 1971, quando foi morto na Bahia, ao lado do lendário capitão Carlos Lamarca.
Nas empresas por onde passou, Zequinha Barreto sempre esteve na liderança dos movimentos dos trabalhadores, porque sabia articular o trabalho de base na fábrica, e agregar todos à luta. Barreto participou da Oposição Sindical, que levou José Ibrahim à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, juntamente com os companheiros da FNT (Frente Nacional do Trabalho), impondo uma fragorosa derrota aos ‘pelegos’ (sindicalistas aliados aos patrões). Era o ano de 1967, e a ditadura militar começava a recrudescer.
Zequinha Barreto era considerado um trabalhador inteligente e capaz, mas não aceitava trabalhos na área administrativa das empresas, preferindo ficar como ‘peão’, entre os operários, no ‘chão de fábrica’, como se dizia. Não admira ter sido um dos líderes das manifestações na Praça da Sé, em 1º de maio de 1968, e na grande Greve de Osasco, em 17 de julho daquele mesmo ano.
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