Em outubro de 1968, após sair da prisão de 98 dias, Zequinha Barreto e José Ibrahim escreveram um texto sobre o balanço da greve de julho em Osasco. No final, a reflexão é encerrada com os seguintes dizeres:
“Esta é a experiência dos trabalhadores de Osasco. O objetivo deste documento é fornecer dados de análise a toda a vanguarda revolucionária brasileira, na luta pela transformação social, pelo socialismo”.
ANÁLISE DO DOCUMENTO
Em breves tópicos, analisamos os principais pontos do documento, que permanecem ATUAIS, mais de 50 anos após sua elaboração. Acompanhe:
VIOLÊNCIA JUSTA: A violência justa dos explorados, contra a violência injusta dos exploradores, em direção a uma sociedade sem classes.
ARROCHO:
Não é só um termo para ‘carimbar’ situações de crise. Senão, em pleno governo Lula poderíamos dizer que não existe arrocho contra os trabalhadores (ao contrário, uma aparente prosperidade).
No documento, Zequinha e Ibrahim ampliam o conceito de ‘Arrocho’, que significa:
- Congelamento dos salários com a desculpa de ‘controle da inflação’. “O congelamento dos salários é uma forma de aumentar a taxa de lucro dos patrões sem acarretar grande aumento nos preços dos produtos”, diz Zequinh
- “Jogar nas costas do povo o ônus da crise do capitalismo”. Parece até que Zequinha previu a crise mundial, particularmente a última, da Grécia (o governo grego demitiu funcionários públicos, rebaixou ou congelou salários, cortou benefícios sociais, a mando do FMI, para obter empréstimos). Os banqueiros e industriais não foram ‘chamados’ ao sacrifício, muito ao contrário, estão drenando recursos públicos e da Europa para sua ‘recuperação financeira’
- “Enquadramento do país dentro do esquema do capital internacional e submissão de nossa economia dentro do espírito de que ‘o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil'”. Isso foi escrito há 42 anos! Alguém aí duvida que isto tenha mudado? Ou só mudou o discurso?
MERCADO INTERNO X MERCADO EXTERNO:
Zequinha falou da “Falência das pequenas indústrias, que vão sendo engolidas pelos grandes trustes internacionais”. O ‘derrame’ de produtos das empresas multinacionais causou estragos nas nossas empresas metalúrgicas (pequenas e médias), quase destruiu nosso setor calçadista e de confecções, reduziu dramaticamente o nível do emprego produtivo, com efeitos em nossa economia até hoje.
CONTRADIÇÕES DO CAPITALISMO:
- Para Zequinha, “as contradições existentes na sociedade capitalista só podem ser resolvidas pelo proletariado… com um programa socialista e revolucionário, sendo, pois necessário educá-lo, organizá-lo e conduzi-lo para essas tarefas. A burguesia reformista quer resolver sua contradição com o imperialismo sem mudar a estrutura social”, alerta.
- “A contradição fundamental reside entre o capital e o trabalho, sobre as forças que produzem a riqueza (os operários) e aqueles que detêm os meios de produção (os patrões), entre o caráter social da produção e a apropriação individual dos produtos do trabalho”. Um raciocínio que vale hoje, palavra por palavra.
VANGUARDA REVOLUCIONÁRIA:
O conceito de ‘vanguarda revolucionária’ e de ‘educar’, ‘dar direção’ aos trabalhadores, amplamente usado no documento por Zequinha e Ibrahim é um conceito que carece de revisão, já que é uma tática ortodoxa, do período em que a União Soviética e a chamada ‘Guerra Fria’ estavam de pé. Mas a formação política e mesmo de quadros entre os trabalhadores é perfeitamente válida, mas numa espécie de ‘efeito multiplicador’, pois TODOS têm direito à formação política e ao acesso às posições de liderança dentro do movimento social e revolucionário, e não apenas algumas lideranças de vanguarda ‘iluminadas’.
PELEGOS SINDICAIS:
“As oposições sindicais lançam as palavras de ordem de organização pela base… e empreendem vigorosa campanha contra os pelegos sindicais”. Hoje praticamente as maiores Centrais sindicais (CUT e Força Sindical) não defendem mais as lutas fundamentais dos trabalhadores, que se sentem cada vez menos representados por estas ‘forças’, que sempre preferem negociar por cima, nunca abrindo mão de suas estruturas internas de poder e corrupção. “Os pelegos para sobreviverem se apóiam na desorganização da classe”, alerta o documento, mais adiante.
GREVE:
“O operário que só tem a sua força de trabalho para vender, procura vendê-la pelo preço mais alto. Um operário isoladamente não tem condições de fazer frente à ambição patronal e a única forma de evitar que seu salário seja rebaixado ou conseguir que estes sejam aumentados, é unir-se com outros operários que são vítimas da mesma exploração. A forma de se encaminhar esta luta é paralisando o trabalho para conseguir as reivindicações. As greves surgem da própria sociedade capitalista, é uma forma bem simples em que se expressa a luta de classes”.
OCUPAÇÕES:
O documento critica as greves em que os ‘pelegos’ decretam a paralisação e mandam o operário para casa, causando desmobilização. Zequinha e Ibrahim defendiam a ocupação das fábricas pelos operários. Hoje, um dos maiores expoentes da tática de ocupação é o Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra (MST), e em certa medida, o MTST (Sem-Teto Urbanos). A ocupação das fazendas e dos terrenos ociosos levanta a questão da propriedade privada da terra, sendo um poderoso instrumento de luta, mobilização e coesão dos trabalhadores no enfrentamento contra o Capital (neste caso, representado pelo latifúndio e pela especulação imobiliária).
A LUTA ELEVA O NÍVEL DE CONSCIÊNCIA DE CLASSE:
“Na luta a classe eleva o seu nível de consciência devido à realização de assembleias, discussão política, possibilitando maior aceitação das palavras de ordem das lideranças, e o surgimento de novas lideranças, o que facilita a organização dos mais amplos setores da massa…. para discussão política e realização de ações práticas”. Teoria e prática revolucionárias!
RESISTIR É PRECISO:
“Os homens que não se sujeitam e resistem a tais calamidades para quebrar a resistência de meia dúzia de burgueses, saberão sem dúvida também quebrar a força de toda a burguesia”, diz o documento, citando uma frase de autor desconhecido, mas amplamente válida.
AUTO-CRÍTICA:
Os movimentos sociais e dos trabalhadores necessitam de uma constante auto-crítica, para correção de rumos e exercício da humildade e disciplina revolucionária.
O documento conclui que não podemos perder o foco, “na luta pela transformação social, pelo socialismo”.
(Análise de Márcio Amêndola de Oliveira – Instituto Zequinha Barreto)
Como se trata do único material escrito pelas mãos do próprio Zequinha e de um companheiro, demonstrando em suas entrelinhas sua própria concepção de mundo, revolucionária e socialista, transcrevemos agora a íntegra do documento de balanço da grande greve de Osasco:
“MANIFESTO DE BALANÇO DA GREVE DE JULHO” (de 1968)
“Companheiros,
Conscientes de que vivemos sob uma ditadura de classes que precisamos destruir.
Conscientes de que ao longo de nossas lutas temos cometido erros e precisamos encontrar uma forma de organização eficaz.
Conscientes de que só com a violência justa dos explorados, contra a violência injusta de que somos vítimas, e que iremos destruir a ditadura dos patrões e implantar uma sociedade sem classes.
Sabendo que para atingir o nível de organização que precisamos, temos a cada momento analisar criticamente nossos trabalhos.
Reconhecendo para isso a importância da troca de experiências e, nesse sentido relatamos aos companheiros alguns pontos de vista sobre o movimento operário e nossa experiência recente.
Reconhecendo ainda a superficialidade deste documento, que só visa incentivar a discussão, informamos que estamos preparando um balanço sobre nossas experiências nos comitês de empresas, no sindicato, sobre organização de greves e ocupações de fábricas.
Conclamamos todos os companheiros a discutir nossas experiências, esperando com isso, além de receber críticas, iniciar uma proveitosa troca de experiências, para a organização da classe operária que possa, aliando-a aos camponeses, conduzir o proletariado ao poder.
A LUTA ANTI-ARROCHO E A GREVE DE OSASCO
Considerações sobre o arrocho.
O arrocho não surgiu com o golpe de 64. Antes de 64, o poder político representava os interesses dos patrões e era dominado pela minoria totalitária patronal. Acontece que, com o golpe, o arrocho apenas acentuou-se. Ele não se manifesta somente na política econômico-financeira do governo, mas em todos os setores da vida nacional, e todas as formas de repressão, quer o terrorismo cultural, quer o arrocho salarial, quer a Lei de Segurança Nacional, o acordo Mec-Usaid, a Lei Suplicy, etc, são formas de arrocho. Em suma, arrocho é o termo que o povo brasileiro encontrou para caracterizar a ditadura dos patrões.
Vejamos alguns objetivos e características dessa política:
a) Contenção da inflação, tomando-se por base que ‘o aumento dos níveis salariais é que inflaciona a economia do País’.
b) Jogar nas costas do povo o ônus da crise do capitalismo.
c) O congelamento dos salários é uma forma de aumentar a taxa de lucro dos patrões sem acarretar grande aumento nos preços dos produtos.
d) Enquadramento do país dentro do esquema do capital internacional e submissão de nossa economia dentro do espírito de que ‘o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil’.
Essas medidas são necessárias ao capitalismo, em sua fase mais adiantada, o Imperialismo, para sustentar materialmente a repressão necessária contra a revolução proletária mundial. Como exemplo disso temos a agressão de que é vítima o heróico povo do Vietnã. Por outro lado as mesmas medidas intensificam as contradições entre as massas exploradas e a classe dominante.
Logicamente, essas medidas que vieram adaptar o país dentro da realidade internacional do capitalismo, têm as suas conseqüências no plano interno:
a) Diminuição do poder aquisitivo do povo e, conseqüentemente, a estagnação do mercado interno.
b) Proletarização de grande parte da pequena burguesia.
c) Falências das pequenas indústrias, que vão sendo engolidas pelos grandes trustes internacionais.
O REFORMISMO E O MOVIMENTO OPERÁRIO ANTES DE 64
Antes de 64, a chamada ‘burguesia nacional’ reformista e liberal, acenava com reformas de base e as massas dirigidas por elementos conciliadores e também reformistas iam a reboque.
A burguesia reformista atrelou a seu carro instrumentos de lutas das massas como o PC, os sindicatos, etc., e moldou lideranças hoje reconhecidas pela massa como pelegos, traidores e reformistas. Esses conciliadores não necessitavam organizar a massa para fazer suas ‘jogadas’ nas cúpulas e ‘não entenderam’ que as contradições existentes na sociedade capitalista só podem ser resolvidas pelo proletariado, sob a condução da vanguarda, com um programa socialista e revolucionário, sendo, pois necessário educá-lo, organizá-lo e conduzi-lo para essas tarefas.
A burguesia reformista queria resolver sua contradição com o imperialismo sem mudar a estrutura social, e a liderança revisionista mais uma vez ‘não compreendeu’ que essa contradição é secundária e nunca poderia chegar a uma forma de antagonismo, pois a contradição fundamental reside entre o capital e o trabalho, sobre as forças que produzem a riqueza (os operários) e aqueles que detêm os meios de produção (os patrões), entre o caráter social da produção e a apropriação individual dos produtos do trabalho, e que com o avanço do movimento de massas os setores mais reacionários da burguesia procurariam cortar esse processo, antes que surgisse do seio da massa uma nova liderança capaz de dirigi-la para objetivos superiores aos da reforma dentro da estrutura capitalista.
MOVIMENTO OPERÁRIO PÓS-64
Após 64, com o golpe militar de direita, o reformismo, representado pela ‘burguesia nacional’ e cujos órgãos PTB, PCB, PSB, Sindicatos, etc., eram sua base social, é alijado praticamente do cenário político. Desencadeia-se no País uma campanha ‘fascistóide’ de perseguição aos elementos tidos como subversivos. Muitos fugiram, outros caíram presos, houve aqueles até que foram assassinados.
O governo teve nesse primeiro momento a intenção de golpear profundamente a classe operária. No entanto, impossibilitado de realizar tal política, eis que não tinha base social de sustentação (a pequena burguesia que dois meses antes tinha marchado com Deus pela família e pela liberdade abandonou Castelo Branco sozinho na Praça da Sé no Primeiro de Maio).
E além disso, tendo em vista a necessidade de órgãos que sirvam de válvulas de escape aos reclamos do povo, numa tentativa de evitar a organização clandestina da classe, permite eleições nos sindicatos. A liderança que teve condições de participar das primeiras eleições sindicais foi apenas aquela que trazia as mesmas posições conciliadoras de antes de 64. Agora havia uma diferença: não tinha mais a burguesia reformista para se apoiar, e o proletariado, devido às amargas experiências do passado, aprendeu a lição.
A primeira tentativa dessa ‘nova liderança’ no sentido de poder aparecer perante a massa como alguém que luta por seus interesses, foi na campanha pró-estabilidade e contra o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Uma outra coisa foi a resistência que os trabalhadores fizeram para não assinarem a ‘nova lei’, percebendo, inclusive, as razões pelas quais os patrões tanto se interessam pela opção pelo FGTS. A experiência ensina à classe que se o patrão diz que determinada lei é benéfica aos operários, o correto é exatamente o inverso da moeda, isto é, o que é bom aos olhos dos patrões é nocivo aos trabalhadores.
A queda da estabilidade, que havia sido conseguida à custa de luta, contrariou profundamente, os operários, porém os pelegos não organizaram as massas, daí não se ter tido condições para movimentos capazes de derrubar o FGTS.
O arrocho salarial já fazia sentir as suas conseqüências funestas para os trabalhadores. O desemprego e arbitrariedades patronais acentuavam-se. A classe movimenta-se sem encontrar ainda uma centralização. Surge uma nova oportunidade de os pelegos aparecerem perante a massa. É criado o M.I.A. (Movimento Intersindical Anti-Arrocho), órgão intersindical de luta contra o arrocho. Porém, os pelegos são derrotados com seu palavreado macio e seus métodos de luta conciliadores, portanto insuficientes para conduzir a luta da classe, tais como abaixo-assinados, telegramas, entrevistas com as autoridades, etc.
Em cada concentração operária, a vanguarda surgida nas fábricas aparece com palavras de ordem de organização pela base através de comitês de empresa pregando a greve como forma de luta contra o arrocho. Essa vanguarda aglutinou-se objetivamente em torno do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco.
Os metalúrgicos de Belo Horizonte responderam a essas palavras de ordem com a greve de onze dias, que se iniciou na Belgo-Mineira, estendendo-se a 16.000 operários.
O surgimento da vanguarda operária nas fábricas, merece um estudo mais profundo, pois ela é produto da necessidade da massa nesta etapa, apesar de exprimir-se ainda de maneira obscura. Como vimos, a liderança pelega não convenceu. A contradição entre o caráter social da produção e o caráter individual de sua apropriação, isto é, a necessária concentração de operários para produzirem em grande escala e de forma organizada, onde cada um cumpre a sua função, e a maneira desorganizada de como os produtos são distribuídos na sociedade, onde a minoria patronal fica com os lucros, gera uma luta constante e intensa entre operários e patrões que vai desde as formas mais simples até os choques mais diretos e violentos, em torno de inúmeros problemas que variam desde as reivindicações específicas de cada secção até as lutas que atingem toda a classe.
A massa com seus inúmeros problemas encontra as mais variadas formas de exprimi-los, que vão desde contatos individuais até as formas coletivas e mais amplas de discussões nas fábricas. De lutas como preservação do 13º Salário em 64, por problemas específicos de cada fábrica (segurança, higiene, etc) levando os operários às greves parciais, inclusive logo após o golpe, surgem aqueles que por melhor absorverem e entenderem a necessidade da classe e por se destacarem na condução destas lutas, passam a merecer a sua confiança, e a partir disso são impulsionados a conduzi-la para a solução de suas necessidades e problemas do momento. Esse processo de luta é a ‘escola de guerra’.
Nas reivindicações da classe operária manifestam-se sempre as contradições dela com sua antagônica no poder. Neste processo, a vanguarda tem consciência de que o que interessa à classe operária não são apenas as concessões dos exploradores, na medida em que continuará sendo explorada, mas a destruição de toda a estrutura social que possibilita a exploração.
Entretanto, a vanguarda organiza a classe, a educa e ganha sua confiança nestas lutas parciais. As vitórias obtidas nestas lutas estimulam a classe a prosseguir com reivindicações mais avançadas e dá confiança a esta mesma vanguarda, que compreende, também, a necessidade de uma organização de classe que vise a tomada do poder pela classe, com uma visão do contexto social capaz de avaliar as forças e capaz de conduzir a classe em todos os níveis de sua luta até a tomada do poder.
A tradição de luta da classe operária brasileira é quase que só em torno do movimento sindical e, a vanguarda que surge, dada a ausência de uma organização de classe sob um programa revolucionário capaz de desenvolver as formas de luta que a conduza ao poder, acerca-se de sindicatos e aí então surge o choque entre as direções sindicais pelegas e aqueles que têm ligações com a classe. São as chamadas oposições sindicais.
As oposições sindicais lançam as palavras de ordem de organização pela base através dos C.E. e empreendem vigorosa campanha contra os pelegos sindicais. Muita coisa já se conseguiu de concreto com os trabalhos das oposições, principalmente nas assembléias anti-arrocho programadas pelo MIA e na comemoração do último Primeiro de Maio na praça da Sé. Essas palavras de ordem, por não virem acompanhadas de uma teoria programática que apresentasse concretamente as perspectivas e a concepção de tais formas de organização na prática, caem no vazio.
Nos setores onde existem os C.E., estes não funcionam como devem, isto porque foram formados na ‘base’ da improvisação, contendo uma série de desvios, o que prejudica muito a unidade da luta. Temos vários exemplos que demonstram, por um lado o espírito de luta e o sentido revolucionário da vanguarda e, por outro, mostra a sua imaturidade política e inexperiência na organização da classe.
A GREVE DE OSASCO – BALANÇO CRÍTICO
Antes de analisarmos o que foi a greve de Osasco e o que ela representou para o M.O. é necessário definir o que é uma greve.
O operário recebe um salário pelo trabalho que executa para o patrão. É lógico que o interesse do patrão é pagar menos salários para que seu lucro seja maior. Por outro lado, o operário que só tem a sua força de trabalho para vender, procura vendê-la pelo preço mais alto. Um operário isoladamente não tem condições de fazer frente à ambição patronal e a única forma de evitar que seu salário seja rebaixado ou conseguir que estes sejam aumentados, é unir-se com outros operários que são vítimas da mesma exploração. A forma de se encaminhar esta luta é paralisando o trabalho para conseguir as reivindicações.
As greves surgem da própria sociedade capitalista, é uma forma bem simples em que se expressa a luta de classes. As greves mostram aos operários a sua força e também as do patrão. Mostram que o patrão é seu principal inimigo e que o governo protege sempre os patrões e que também a polícia existe para impedir as greves ou evitar as suas conseqüências.
A colocação da palavra de ordem ‘greve’, mostrou para a vanguarda operária de Osasco o estado de revolta da classe, motivado pelas conseqüências do arrocho salarial e alta constante do custo de vida e que realmente haviam as condições objetivas para deflagrar o movimento. Todos lançaram-se na organização da greve empiricamente. Os C.E. recém-organizados, com exceção dos da Cobrasma, tinham a principal responsabilidade nessa tarefa. Reivindicava-se aumento salarial de 35%, aumento de três em três meses de acordo com a elevação do custo de vida, contrato coletivo de trabalho por dois anos, e reivindicações específicas de cada fábrica.
A vanguarda baseava-se nas necessidades imediatas da massa, por isso as reivindicações acima citadas, mas, por outro lado se explicava que o sentido mais importante da greve era o político, na medida em que se lutava contra a lei do arrocho salarial e contra a própria lei de greve, e que aquela ação era apenas uma parte da longa luta pela derrubada da ditadura dos patrões.
Evidencia-se inexperiência dessa nova liderança na medida em que essa não soube conduzir no mesmo nível a propaganda junto às massas e a organização da vanguarda. Este descompasso entre a propaganda e a organização precipitou as condições objetivas para a greve. Empolgada com a receptividade das massas, a vanguarda acaba por ficar a reboque destas, e ao invés de proceder uma análise do momento político nacional, baixou a palavra de ordem da greve e de ocupação das fábricas, sem estar subjetivamente em condições, antecipando mesmo uma posição anterior de se tirar a greve por ocasião do dissídio coletivo.
Dado o caráter ainda bastante limitado dos C.E., visto que funcionavam sem uma perspectiva clara e definida, estes passaram a se apoiar mais no aparelho sindical do que na organização da massa. A falta de clareza teórica causada pela falta de discussão política levou a vanguarda a não se preocupar em organizar uma estrutura clandestina paralela ao sindicato para dar continuidade à luta na clandestinidade. Na prática, subestimou as forças da repressão, achando que o governo iria negociar e não reprimir violentamente, inclusive intervindo imediatamente no sindicato.
Comparou-se o M.O. que tem conseqüências imediatas na economia e prepara a classe revolucionária para assumir a direção do país, e por isso é bastante temível pela reação, com movimentos de setores da pequena burguesia (estudantes, artistas, etc.) que por maiores perigos à classe dominante. Esse imediatismo foi sentido em todos os momentos posteriores, o que obrigou a improvisação. A ocupação das fábricas devido à falta de clareza, à não planificação, foi também improvisada, deu à greve um caráter insurrecional, quando a mesma era localizada e feita a partir de reivindicações de classe e não a partir de imposições que a colocasse num enfrentamento definitivo com a burguesia. Com isso não queremos dizer que nas próximas lutas a tática de ocupação de fábricas não deva ser utilizada.
No passado, antes de 64 a pelegagem decretava greves e mandava os operários para suas casas. Agindo assim, desmobilizavam a classe, evitando que ela se mantivesse unida e discutindo problemas que lhe estavam afetos, para que os conchavos com os patrões não encontrasse resistência nas bases operárias. A outra importância da ocupação reside no fato que as greves com as ocupações das fábricas, experiência recém-iniciada no Brasil, ultrapassam os limites das reivindicações normais dentro do capitalismo. Independentemente das reivindicações grevistas, a ocupação temporária das empresas acerta um golpe no ídolo da propriedade capitalista.
Toda greve de ocupação, independente do objetivo reivindicatório que a determinou, coloca na prática o problema de saber quem é o dono da fábrica: o patrão ou os operários. A ocupação poderia se dar com um prazo determinado, objetivando discussão política com toda a massa no sentido de se ter consciência do próprio significado das ocupações, sobre os objetivos da greve e a necessidade de sua extensão a outras fábricas. Quando as fábricas fossem desocupadas, a massa deveria sair mobilizada para ações práticas como piquetes, panfletagem, etc, em outras fábricas ainda não em greve, e através da organização por bairros permaneceria em constante mobilização, objetivando discussão política, em grupos pequenos se assim o exigissem as condições de segurança. A greve de Osasco mostrou que é possível conduzir a classe para um enfrentamento com a ditadura patronal, sendo para isso necessário organizá-la. Significa uma nova e grande experiência para todo o movimento revolucionário brasileiro.
Apesar de ter sido propagado pela imprensa burguesa e alguns oportunistas de ‘esquerda’ que a greve de Osasco não havia conseguido nenhum de seus objetivos, há fatos que falam bem alto para a massa: os aumentos recebidos pelos operários de várias fábricas (Cobrasma, de 15 a 35%, Cimaf 10%, etc), indenização aos companheiros demitidos, e o atendimento de reivindicações específicas como: higiene, segurança, insalubridade, enfermaria, etc., que vem se dando a partir da greve, deixa claro aos operários que: isto são vitórias parciais da greve; a greve é uma forma de luta para conseguirmos nossas reivindicações, pois se obtemos melhores resultados em nossa luta, necessitamos elevar o nosso nível de organização, e aumentar as discussões políticas para despertar a consciência de luta nos mais amplos setores da massa.
Com a greve, o sindicato caiu nas mãos de policiais, centenas de companheiros foram presos, dezenas perderam seus empregos, grande parte perdeu seus dias de trabalho, muitos companheiros estão na ilegalidade e apesar disso tudo, ninguém se arrepende de ter aderido à greve; aqueles que não aderiram ao movimento são desprezados pelos companheiros, o que não significa que para as próximas lutas não se deva discutir e aprofundar com eles no sentido de que avancem e participem do movimento.
Ficou claro para as lideranças que:
1) Apesar da repressão brutal que impossibilitou a extensão e continuidade da greve, a demonstração do nível de luta de classe, fez os patrões cederem em várias reivindicações.
2) A brutalidade da repressão foi prejudicial para o movimento em si, porém benéfica a longo prazo, dado o avanço político da massa, com o desmascaramento da ditadura, deixando claro que reprimirá violentamente qualquer luta justa da classe trabalhadora.
3) Na luta a classe elevou o seu nível de consciência devido à realização de assembléias, discussão política, possibilitando maior aceitação das palavras de ordem das lideranças, e o surgimento de novas lideranças, o que facilitou a organização dos mais amplos setores da massa, que vem se dando através da formação de núcleos clandestinos para discussão política e realização de ações práticas.
Apesar de tudo o que houve, a disposição de luta continua e isso nos permite dizer que ‘os homens que não se sujeitam e resistem a tais calamidades para quebrar a resistência de meia dúzia de burgueses, saberão sem dúvida também quebrar a força de toda a burguesia’.
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO DA LUTA
Os setores conscientes da classe operária, sua vanguarda, não podem ter mais dúvidas quanto à existência das condições objetivas de se fazer grves. Só falta criar condições subjetivas, que se resumem na organização da classe. Aproxima-se o dissídio coletivo para todas as categorias; sabemos que dentro das leis de arrocho o aumento não corresponderá nem à metade da elevação do custo de vida no ano de 68, isso sem contar o que perdemos nos anos anteriores.
Os pelegos sindicais, percebendo a disposição da classe, mais uma vez farão manobra para enganá-la, dizendo que ‘não entraremos em dissídio, exigiremos um aumento salarial digno e se não for concedido entraremos em greve’. Essa tática oportunista já é velha e também conhecemos a sua saída. Se o sindicato não entra em dissídio, o patrão entra, e daí eles dirão que ‘não estamos preparados para a greve, que ninguém tem o direito de, numa aventura, jogar pais de família no abismo, etc’.
Os pelegos para sobreviverem se apóiam na desorganização da classe. A vanguarda, para ser a direção autêntica da classe, deve organizá-la e apoiar-se na sua organização. O arrocho salarial está aí. A tática de combatê-lo é a greve. No processo das greves, a vanguarda amadurecerá como direção, e a classe compreenderá que o arrocho é apenas uma faceta do poder patronal e que só ficará livre dos arrochos quando derrubar esse poder numa luta prolongada, debaixo de um programa socialista revolucionário de libertação.
A tarefa da vanguarda de cada categoria, de cada fábrica é preparar as condições subjetivas de organização, para com ou apesar dos pelegos, lutarmos concretamente por um aumento salarial menos injusto. Desde já deve-se iniciar a formação dos comitês de greves por secção, por fábricas e por municípios. Não devemos nos iludir nesta etapa com uma greve geral. Devemos sim, concentrar nossas forças nas fábricas onde existem melhores condições de greve. Lembrem-se que a greve de 16.000 metalúrgicos mineiros, até o 6º dia só acontecia na Belgo-Mineira, e em Osasco a greve iniciou-se em quatro fábricas, estendendo-se só a partir do dia seguinte.
Uma greve apavora os patrões. (Quando a classe dos trabalhadores luta) para eles próprios, na medida em que lutam por seus interesses, ela (a greve) coloca em dúvida aqueles que se julgam senhores onipotentes dos meios de produção, ela leva os patrões a fazerem concessões e arrasta companheiros de outras fábricas à adesão, não somente em solidariedade, mas porque são vítimas da mesma exploração e são encorajados a tomar posição.
Os grevistas de Osasco e a sua vanguarda levam as seguintes reivindicações de caráter geral e as propomos a outras categorias na certeza de que vão ao encontro dos interesses de toda a classe:
a) Aumento salarial de acordo com a elevação do custo de vida.
b) Contrato coletivo de trabalho, isto como forma de combate ao desemprego.
c) Aumento salarial de três em três meses.
As reivindicações específicas de cada fábrica devem ser levantadas ‘in loco’ pelos companheiros, pois ajudará muito na mobilização da massa.
PARALISAÇÃO
A paralisação de cada fábrica deve apoiar-se na organização dos Comandos Clandestinos internos. A forma de paralisação através de piquetes nas portas de fábricas está superada, o piquete deve ser fator de estímulo para que outros adiram ao movimento e não como fator de imposição no sentido de se aderir à greve.
A prática demonstrou que a forma mais correta e educativa para a massa é a greve partindo da organização interna através dos comandos clandestinos de cada secção, parando uma a uma, com a massa de cada secção para engrossar as fileiras e indo parar as outras. Isso funciona se existir organização, estimula os vacilantes e impede a identificação dos líderes. A saída das fábricas deve ser em massa, pois grupos isolados tornam-se presas fáceis para a repressão.
Os comandos clandestinos da greve devem ser organizados ao nível de cada secção, cada fábrica, cada município. Com o avanço do processo, será necessária a formação de comandos gerais, a fim de coordenar a luta em nível nacional.
Esta é a experiência dos trabalhadores de Osasco. O objetivo deste documento é fornecer dados de análise a toda a vanguarda revolucionária brasileira na luta pela transformação social, pelo socialismo.
José Ibrahim
José Campos Barreto
Outubro de 1968”.
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